quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Grau 10 – Cavaleiro Eleito dos Quinze (REAA)

 


Avental do Grau 10 – Cavaleiro Eleito dos Quinze (REAA)

A lenda do grau

Cada grau da Loja Capitular tem um título que ilustra o conjunto de conhecimentos iniciáticos que serão ministrados ao Irmão elevado. O grau dez é chamado O Cavaleiro Eleito dos Quinze, pois da mesma forma que os graus anteriores ele trabalha com alegorias baseadas no simbolismo da Lenda de Hiram Abiff, esclarecendo o destino e o castigo dado aos outros dois Jubelos, já que no grau nove, como vimos, um deles foi morto por Johaben. O grau dez tanto pode ser ministrado por comunicação como por elevação. Depende do desenvolvimento curricular de cada Loja. De forma geral, tem como finalidade didáctica desenvolver os seguintes ensinamentos:

  • Promover o desenvolvimento moral e espiritual do iniciado, para que ele seja devidamente integrado no seio da sociedade a quem serve, e reconhecido pela Fraternidade ao qual pertence.
  • Promover o estudo das relações humanas e a melhor forma de implantá-las, tanto internamente, na Ordem, como no mundo profano, em relação à sociedade.
  • Reforçar o espírito de vigilância, como foi pregado no grau anterior.

Como se verá, é no grau dez que será esclarecido o destino dos outros dois Jubelos. A lenda diz que seis meses depois da morte do primeiro assassino, cujo nome era Abiram, Salomão foi informado por um estrangeiro de nome BenGaber, do paradeiro daqueles assassinos. Eles estavam escondidos no país de Gheth, trabalhando numa pedreira. Imediatamente, Salomão convocou quinze Mestres, entre os quais os nove anteriormente eleitos, e os enviou em embaixada, sob o comando de Zerbal, com uma carta ao rei daquele país, solicitando a prisão e a deportação dos criminosos.

Presos os criminosos, foram eles sentenciados e executados. A iniciação neste grau é uma representação dessa acção, onde novamente se destaca que a sentença proferida e a execução realizada não tiveram carácter de vingança, mas sim como realização da Justiça. Esta disposição está contida no diálogo mantido entre o M∴ IL∴ M∴ e Zerbal:

Que sucedeu depois? Pergunta o M∴ IL∴ M∴, Por ventura fizestes justiça com as próprias mãos? Pois as evidências que apresentais, trazendo os instrumentos usados pelos criminosos na prática do crime, levam-me a esta suspeita.

Responde Zerbal: – Não, M∴ IL∴ M∴, vossa suspeita não é verdadeira. Nós o trouxemos e os colocamos no cárcere, em celas separadas, e dali saíram para enfrentar os juízes no Tribunal. Tiveram um julgamento justo e foram considerados culpados, sendo então executada a sentença contra eles proferida. Por fim, as suas cabeças foram decepadas e espetadas nas portas da cidade, para servir de exemplo a outros malfeitores. Os instrumentos por eles usados – o Esquadro e a Régua – aqui estão.

O ensinamento inscrito nesta alegoria é claro: Justiça sim, vingança nunca. Isto porque a justiça é a recompensa que se dá como paga a um comportamento, seja ele mau ou bom, conforme a valoração que a sociedade lhe dá. Se a determinado comportamento, extremamente ofensivo, impossível de ser recomposto pelos violadores, se dá a morte como recompensa por este acto, esta é a justiça que aquela sociedade definiu para tal caso. A pena de morte, nesse caso, é a forma de Justiça que aquela sociedade elegeu e não cabe a outras pessoas, além dos membros daquela sociedade, discutir se ela é justa ou não.

É claro que a nível conceitual, justamente por se tratar de conceitos, este é um assunto que merece reflexão. No actual estágio da sociedade é altamente duvidoso que a morte do violador se possa constituir em recompensa eficaz para devolver o equilíbrio da ordem violada. E esta é a diferença que vemos entre a Justiça , como forma de recomposição do equilíbrio da ordem violada e a vingança. Esta última, ditada exclusivamente pelo ódio, constitui exercício arbitrário da razão do ofendido, aplicada sem nenhum critério, sem nenhuma análise e sem nenhum sentido moralizador. Daí esta pena, como forma de recompensa pelo mal feito, acaba equiparando-se ao próprio crime que visava punir. Todavia, nas primeiras etapas do desenvolvimento das sociedades humanas, a pena de morte, conhecida como “Pena de Talião” era aceita e reconhecida como eficaz para recompor a ordem social violada.

A inspiração cavalheira da lenda

A finalidade da lenda do grau tem por objectivo demonstrar que não se fere impunemente a ordem social, nem se pratica crimes contra a pessoa, contra natureza ou contra a sociedade, sem que advenha o devido castigo. Há sempre uma punição, cedo ou tarde.

A Loja do grau dez é presidida pelo Três Vezes Poderoso Mestre. Após ter sido cumprida a missão para a qual foram eleitos, os quinze mestres recebem o titulo de Cavaleiros Eleitos dos Quinze, o que mostra, pelo menos na forma de elevação, uma certa influência das regras da Cavalaria medieval, onde os cavaleiros obtinham distinções por serviços prestados ao suserano. Esta influência faz-se sentir também no juramento prestado pelos Mestres elevados, que ao receberem o título do grau, juram “perante o Grande Arquitecto do Universo e na presença de todos os irmãos, sob a Abóbada de Aço, feita tanto para proteger o leal, como para castigar o perjuro, defender a causa dos oprimidos contra os opressores”. Juram também ser os “paladinos da tolerância contra a intransigência, a manter intacta a instituição maçónica, em qualquer ocasião, quer directa quer indirectamente. Prometem guardar no coração tudo o que se passou naquela cerimónia e não revelar os segredos que lhe foram confiados”.

Evidentemente um juramento deste escopo não caberia no tempo do Rei Salomão. Juramentos desse tipo eram comuns, no entanto, nas Ordens de Cavalaria medieval, onde o cavaleiro tinha que ser sempre uma espécie de herói a serviço da humanidade, socorrendo os fracos e os oprimidos, galante, corajoso e forte, além de fiel e leal ao seu suserano e à instituição a qual servia, ou seja, a Santa Madre Igreja.

Esta visão confirma-se no encerramento do cerimonial de elevação do grau, quando o Presidente da Loja, acompanhado dos Vigilantes e do Orador, desembainham as espadas e as erguem sobre a cabeça dos Mestres elevados, exactamente como se fazia nas antigas cerimónias destinadas a armar ou honrar com comendas e distinções os antigos cavaleiros medievais.

As cabeças decepadas dos Jubelos, encimando as figuras de uma régua, um esquadro e um malho, sugerem ao iniciado que a conduta do Maçom deve ser recta como uma régua, equilibrada como um esquadro e firme como um malho. Que todo crime será punido, pois o céu nos julga e o castigo para os criminosos é certo. Por isto é que o sinal do grau lembra a acção de encostar um punhal na garganta de alguém. Este é um sinal que denota a acção punitiva a que estão sujeitos todos os violadores da lei, todos os criminosos, todos os infiéis. Esta liturgia, por certo, evoca também a execução de Jacques de Molay, último Grão Mestre da Ordem dos Templários, pois segundo a tradição, os responsáveis pela sua execução teriam sido todos punidos de uma forma bastante misteriosa [1].

A verdadeira justiça

A missão dos Mestres Eleitos dos Quinze é igual à dos Mestres Eleitos dos Doze: justiçar os assassinos e não promover vingança. Isto porque, para distribuir justiça não é necessário somente saber distinguir o bem do mal, mas também ter a coragem de aplicar as medidas necessárias para separar um do outro. Jesus dizia que se a nossa justiça não fosse capaz de exceder aquela praticada pelos escribas e fariseus, então eles não teriam aprendido nada do que ele lhes tinha ensinado. Esta é uma grande verdade, porquanto os escribas e fariseus aplicavam os códigos, interpretando as leis à sua própria maneira, fazendo delas uma forma de ganhar a vida e não um exercício de distribuição de justiça. Por isso Jesus, ao instruir os seus discípulos para o exercício da missão evangélica, lhes recomendou que atendessem primeiro às próprias famílias, (isto é, que praticassem a irmandade); que fossem desapegados dos bens materiais e ganhassem o pão de cada dia com o seu trabalho (valoração do trabalho, condenação da ambição desmedida); que não se importassem com aqueles que não os respeitam (sacudindo o pó das sandálias); que fossem simples como pombas e prudentes como serpentes (pois o mundo é feito de lobos e cordeiros e cada um cumpre uma missão na natureza). Parece até que Jesus estava descrevendo o que Maçonaria se proporia a pregar dezassete séculos mais tarde, pois esses são exactamente os postulados que a Ordem propaga no seu catecismo curricular.

Cabe ao iniciado na Arte Real, como Eleito dos Quinze, discernir todas estas coisas. Quem merece ser castigado deve ser castigado. Quem merece ser premiado deve ser premiado. Em todo o desenvolvimento do catecismo maçónico, referente aos chamados graus de justiça, o que se tenta transmitir é exactamente uma ideia de regeneração psíquica do homem, através de uma reforma moral nos seus pensamentos e nos seus costumes, reforma esta alcançável através da prática das virtudes maçónicas.

Este renascimento equivale ao conhecimento do que é a verdadeira justiça e a sua execução. E nesse conceito estão integradas várias outras questões morais de grande importância, como equidade, critério, parcimónia, discernimento, piedade etc.

Apenas o ensinamento das Lojas Simbólicas não é suficiente para se atingir esse objectivo, pois o que acontece nesse nível é uma preparação espiritual para uma aprendizagem superior. Esta aprendizagem completa-se quando o iniciado entende que a regeneração que nele se processa, pela complementação dos graus hiramíticos, é uma “porta de entrada” para outra etapa de sabedoria, a qual lhe será conferida, ainda nas Lojas de Perfeição, através dos chamados graus salomónicos. Por isso é que, nesses graus, ele aprenderá o verdadeiro significado da palavra justiça e a forma correcta de aplicá-la [2].

João Anatalino Rodrigues

Notas

[1] Segundo uma tradição, Jacques de Molay teria profetizado a morte de Filipe IV, o Belo, e do Papa Clemente V, que foram os principais responsáveis pela dissolução da Ordem dos Templários e pela execução dos seus lideres. Estes personagens morreram misteriosamente no espaço de um ano depois da sua execução. Assim, metaforicamente, os Jubelos poderiam ser também os três cavaleiros templários que serviram de testemunhas contra a Ordem e propiciaram aos juízes da Inquisição os motivos para a sua extinção. Assim, o teatro representado no grau 10, sobre o julgamento e a execução desses personagens, pode estar a referir-se a este episódio.

[2] A Loja Simbólica equivale aos três primeiros graus (aprendiz, companheiro e mestre); o que chamamos de graus hiramíticos são aqueles que tratam do desenvolvimento iniciático da Lenda de Hiram (graus 4 a 9). Graus salomónicos os que tratam da aplicação da justiça e a organização do Estado, com alegorias inspiradas principalmente em histórias do Rei Salomão e a reconstrução de Jerusalém (Graus 10 a 14).


Nenhum comentário:

Postar um comentário