O sexto grau do Rito Escocês Antigo e Aceito tem por título o Secretário Íntimo. Desde logo este título evoca a ideia de intimidade e fidelidade que devem informar todas as grandes parcerias e as mais fecundas amizades que se estabelecem entre dois seres humanos, ou mais adiante, se quisermos estender esse conceito para as relações que se estabelecem a nível colectivo, entre elementos de um mesmo grupo.
A Maçonaria é um grupo no qual a amizade, a lealdade e a fidelidade deve devem constar entre as principais virtudes a serem cultivadas. Aliás, não existe grupo sem essas virtudes não sejam postas como argamassa para ligação entre os seus membros. São nelas que se encontram a força da instituição e a garantia da sua existência perene, pois toda vez que ela for atacada, e constantemente isso acontece, é na força da egrégora que a Instituição encontra a sua defesa e confia a sua protecção.
Por isso o grau 6 do Ritual evoca uma tradição atribuída a um servidor do Rei Salomão, que teria sido seu fiel secretário durante os tratados que o sábio rei hebreu celebrou com o Rei de Tiro para que este o ajudasse na construção do Templo de Jerusalém. Este servidor, chamado Joaben, seria uma espécie de primeiro secretário do Rei Salomão, que velava pela manutenção da sua intimidade, filtrando os assuntos e seleccionando os visitantes que procuravam o rei. Por isso o titulo de Secretário Intimo, e o consequente interrogatório que aparece como trolhamento do grau:
P: – Sois vós secretário Intimo?
R: – O meu zelo foi tomado como curiosidade.
P: – O que vos aconteceu?
R: – A minha vida correu grande perigo.
P: – Onde fostes recebido?
R: – Na presença e a pedido do Rei de Tiro.
P: – O que aprendestes?
R: – A ser zeloso, fiel, desinteressado e bondoso.
P: – De onde vindes?
R: – De qualquer parte.
P: – Onde ides?
R: – A qualquer parte.
Este trolhamento resulta de uma tradição, segundo a qual Salomão teria enviado ao rei Hiram de Tiro uma embaixada com a finalidade de negociar o envio de técnicos e materiais de construção para a edificação do templo de Jerusalém. Esta embaixada era comandada por Joaben. Como de praxe, ele interrogou o rei de Tiro sobre diversos aspectos da economia e da política fenícia, como naturalmente o faria qualquer embaixador que estivesse negociando uma aliança. Hiram não gostou das atitudes dele, tomando-as como uma tentativa de espionagem ou interferência na sua soberania. Em consequência, mandou colocá-lo na prisão, ameaçando-o de morte. Este incidente diplomático obrigou o rei Salomão a interferir pessoalmente junto ao rei fenício, o qual, depois de restabelecida a paz e esclarecidos os factos, concordou em libertar Joaben e negociar com ele o fornecimento dos materiais necessários à construção do templo e o envio de técnicos especializados em edificações, entre eles o mestre Hiram Abiff.
Este episódio não está relatado na Bíblia nem em qualquer outro documento histórico, mas tanto nas crónicas bíblicas quanto nos relatos de Flávio Josefo encontramos referências sobre esse assunto. Nestes registros diz-se que Joaben negociou com o rei fenício a entrega de vinte cidades na região da Galileia em troca dos materiais e dos operários e técnicos que Hiram de Tiro enviava ao rei de Israel. Todavia, depois que o rei Hiram visitou tais cidades, logo acusou Joaben de tê-lo enganado, pois as mesmas não passavam de meras ruínas no deserto. Furioso, Hiram de Tiro foi pessoalmente ao palácio de Salomão, e quis entrar sem cumprir o devido cerimonial. Nisto foi impedido pelo zeloso secretário.
Após ser recebido por Salomão, Hiram queixou-se do tratamento desrespeitoso que entendia ter recebido por parte do seu secretário, exigindo que o mesmo fosse castigado. Salomão, entretanto, com a sua proverbial sabedoria, conseguiu convencer o rei fenício que as atitudes de Joaben decorriam da lealdade e do zelo que o seu fiel servidor tinha para com ele.
Neste diálogo, que encerra toda a filosofia do grau, está explicito o ensinamento que se deseja passar ao elevando. O iniciado não deve querer subir a Escada de Jacob por simples curiosidade, mas sim por desejo de aperfeiçoamento. Isto significa zelo pelo ensinamento que irá adquirir e pelos assuntos da Fraternidade. O curioso fica pelo caminho, quando não é destruído pela má interpretação (e utilização) dos conhecimentos que adquiriu. Zelo não se confunde com curiosidade. O zelo é útil e produtivo para quem quer realmente aprender; a curiosidade é perigosa, e pode ser mortal. O Maçom compartilha do segredo maçónico e da intimidade dos demais irmãos.
Neste sentido a sua responsabilidade é maior e cresce à medida que vai avançando nessa escalada. Como tem que ir a toda e qualquer parte, pois o Maçom é o homem universal, sempre será submetido à provas que desafiarão o seu zelo pelos interesses da Irmandade, pondo à prova a sua lealdade e as próprias crenças que ele adquiriu na prática maçónica. A sua fidelidade será testada, a sua bondade será negada, a sua sabedoria será desafiada. Sempre lhe cobrarão a revelação dos segredos que compartilha com os irmãos. Se ele for mais curioso que zeloso não conseguirá resistir às pressões. Por isso é que entendemos ser esse grau, um verdadeiro libelo à fidelidade.
É bom não esquecer, outrossim, que a Maçonaria enquanto instituição, tem sido constantemente perseguida e difamada por pessoas que teimam em confundi-la com seitas religiosas ou organizações formadas com propósitos inconfessáveis. Ao longo da sua história, os seus membros foram perseguidos, encarcerados, torturados, tudo porque teimavam em defender ideias libertárias, igualitárias e fraternas. Esta situação sempre será passível de ocorrer em qualquer tempo e lugar, pois a tirania, a intolerância, o preconceito e o fanatismo ainda não foram extirpados do seio da sociedade. Sempre haverá um tirano de plantão para exigir que o anelo pela virtude, o amor pela liberdade, a disposição de lutar pelas boas causas, sejam renegadas em nome da segurança física ou de vantagens de cunho pessoal. Em todos os tempos e em toda parte, o Maçom terá que ser firme, fiel, zeloso e constante para merecer o título que recebe no grau seis, de Secretário Íntimo.
A alegoria segundo a qual o Maçom é o “ homem de todos os lugares”, que vem de qualquer parte e vai a qualquer parte, referida no interrogatório, parece-nos ser uma evocação aos Rosas-cruzes, que eram “cidadãos do universo”, segundo a lenda daquela Fraternidade. Essa lenda tem origem no mito de Cristhian Rosencreutz, que segundo a tradição, viajou pelo mundo todo aprendendo os grandes segredos da natureza. No começo do século XVII os alquimistas Sheton e Sendivogius desenvolveram o conteúdo dessa lenda num interessante trabalho chamado Tratado da Natureza, na qual eles chamavam-se a si mesmos de Cosmopolitas.
A alegoria refere-se também aos maçons operativos, que tinham o direito de trabalhar em várias localidades e cidades, formando grupos itinerantes, fechados no seu silêncio e nos seus segredos. Daí a mística que sempre envolveu os Obreiros da Arte Real, tidos como cidadãos de todos os lugares. Neste sentido, a estória de Joaben veio integrar uma tradição bíblica com alegorias de cunho hermético e temas relacionados à Maçonaria operativa.
É preciso, entretanto, sempre ver nessas alegorias um ensinamento de cunho moral e uma lição iniciática, veiculadas em linguagem simbólica. Desta forma integram-se as duas faces da Maçonaria: a espiritualista e a histórica. A primeira que remonta as suas origens aos próprios fundamentos da sociedade, e a segunda que cuida da Arte Real a partir do nascimento dessa prática dentro das guildas dos construtores medievais. Assim se vai penetrando pela senda das virtudes maçónicas, que vão sendo adquiridas à medida que o iniciado avança na “escalada da perfeição”. É dessa forma que o Mestre Perfeito, constante, discreto, zeloso e fiel, que se iniciou nos segredos dos Graus Inefáveis, estará então, em condições de aprender o que é a verdadeira Justiça. Este será o objectivo do ensinamento dos graus seguintes, de sete a nove.
João Anatalino Rodrigues – Do livro “Conhecendo a Arte Real – editora Madras 2007
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