sábado, 4 de dezembro de 2010

A construção do templo.


Só me lembrava daquela forte dor no peito. Como viera eu parar ali? O ambiente era familiar. Já estivera ali, mas... quando?

Caminhava sem rumo. Pessoas desconhecidas passavam por mim, contudo, não tinha coragem de abordá-las.

Mas... espere, que grupo seria aquele reunido e de terno preto?

Lógico! Não estariam indo ou vindo de um enterro; hoje em dia não é tão comum pessoas irem ao velório com roupa preta.

É claro! São Irmãos! Aproximei-me do grupo. Ao me verem chegar interromperam a conversa.

Discretamente executei o sinal de Aprendiz, obtendo resposta. A alegria tomou conta de mim. Estava entre amigos.

Identifiquei-me. Perguntei ansioso o que estava acontecendo comigo. Responderam-me com muito cuidado e fraternalmente.

Havia desencarnado. Fiquei assustado; e a minha família, os meus amigos, como estavam?

Estão bem, não se preocupe; no devido tempo você os verá, responderam.

Ainda assustado, indaguei do motivo de suas vestes. Estamos nos encaminhando ao nosso Templo Maçônico, foi a resposta.

Templo Maçônico ? Vocês tem um ? Sim, claro. Por que não ?

Senti-me mais a vontade, afinal sou um Grande Inspetor Geral e com certeza receberei as honras devidas a meu Grau. Pedi para acompanhá-los, no que fui atendido.

Ao fim da pequena caminhada divisei o Templo. Confesso que fiquei abismado. Sua imponência era enorme. As colunas do pórtico eram majestosas. Nunca vira nada igual. Imaginei como deveria ser seu interior e como me sentiria tomando parte nos trabalhos. Caminhamos em silêncio.

Ao chegar ao salão de entrada verifiquei grupos de Irmãos conversando animadamente, porém em tom respeitoso.

O que parecia ser o líder do grupo e que me acompanhava chamou um Irmão que estava adiante:

-- Irmão Experto! Acompanhai o Irmão recém-chegado e com ele aguarde.

Não entendi bem. Afinal, tendo mostrado meus documentos, esperava, no mínimo, uma recepção mais calorosa.

Talvez estejam preparando uma surpresa à minha entrada; para um Grau 33 não poderia se esperar nada diferente. Verifiquei que os Irmãos formavam o cortejo para entrada no Templo.

A distância, não pude ouvir o que diziam, contudo, uma luminosidade esplendorosa cercou a todos.

Adentraram silenciosamente no Templo.

Comigo ficou o Irmão Experto. De tanta emoção não conseguia dizer nada. O tempo passou... Não pude medir quanto.

De repente, a porta do Templo se entreabriu o Irmão Mestre de Cerimônias, encaminhando-se a mim, comunicou que seria recebido. Ajeitei o paletó, estufei o peito, verifiquei se minha comendas não estavam desleixadas e caminhei com ele.

Respirei fundo e adentrei ritualisticamente ao Templo. Estranho... Esperava encontrar luxuosidade, muito ouro e riqueza.

Verifiquei, rapidamente, no entanto, uma simplicidade muito grande.

Uma luz brilhante, vindo não sei de onde iluminava o ambiente. Cumprimentei o Venerável Mestre e os Vigilantes na forma usual.

Ninguém se levantou à minha entrada. Mantinham-se calados e respeitosos.

Não sabia o que fazer... Aguardava ordens... e elas vieram na voz firme do Venerável:

-- [...]

Reconhecendo a necessidade do telhamento em tais circunstâncias, aceitei respondê-lo. Estufei o peito, impetiquei o corpo e respondi:

-- [...]

Aguardei seguro, a pergunta seguinte.

Em seu lugar o Venerável Mestre, dirigindo-se aos presentes, perguntou:

-- Os Irmãos aqui presentes o reconhecem como Maçom?

Assustei-me. O que era isso ? Por que tal pergunta ? O silencio foi total.

Dirigindo-se a mim, o Venerável emendou:

-- Meu caro Irmão visitante, os Irmãos aqui presentes não o reconhecem como Maçom.

-- Como não ? ! Disse eu. Não vêem minhas insígnias? Não verificaram meus documentos ?

-- Sim, caro Irmão - retrucou solenemente o Venerável.

-- Contudo não basta ter ingressado na Ordem, ter diplomas ou insígnias para ser um Maçom. É preciso antes de tudo, ter construído o "seu Templo", e verificamos que tal não ocorreu com o Irmão.

-- Observamos, ainda, que apesar de ter tido todas as oportunidades de estudo e de ter galgado ao maior dos Graus, não absorveu seus ensinamentos. Sua passagem pela Arte Real foi efêmera. Não pude agüentar mais. Retruquei:

-- Como efêmera? Vocês que tudo sabem não observaram minhas atitudes fraternas?

Fui interrompido.

-- Irmãos, vejamos então sua defesa.

Automaticamente, desenhou-se na parede algo parecido com uma tela de televisão e na imagem reconheci-me junto a um grupo de Irmãos, tecendo comentários desairosos contra a administração de minha Loja. Era verdade. Envergonhei-me.

Tentei justificar mas não encontrava argumentos. Lembrei-me, então, de minhas ações beneficentes.

Indaguei-os sobre tal. E mudando a imagem como se trocassem de canal, vi-me colocando a mão vazia no tronco de Beneficência. Era fato e, costumeiramente, o fazia, por achar que o óbulo não seria bem usado...

Por não ter o que argumentar, calei-me e lágrimas de remorso brotaram-me nos olhos. Iniciei a retirar-me cabisbaixo e estanquei ao ouvir a voz autoritária e ao mesmo tempo fraterna do Venerável.

-- Meu Irmão. Reconhecemos suas falhas quando no orbe Terrestre e na Maçonaria, contudo, reconhecemos, também que o Irmão foi iniciado em nossos Augustos Mistérios.

-- Prometemos em suas Iniciações protegê-lo e o faremos. O Irmão terá a oportunidade de consertar seus erros, afinal, todos nós aqui presentes já os cometemos algum dia.

-- Descanse nesse plano o tempo necessário e, ao voltar à matéria para novas experiências, nós o encaminharemos novamente a Ordem Maçônica. Sua nova caminhada, com certeza, será mais promissora e útil.

Saí decepcionado mas estranhamente aliviado. Aquelas palavras pareciam ter me tirado um grande peso.

Com certeza, ali eu desbastara um pedaço de minha Pedra Bruta.

Acordei, sobressaltado e suando muito. Meu coração disparado.

Levantei-me assustado, mas com certa alegria no peito.

Havia sonhado !

Dirigi-me ao guarda-roupa, meu terno ali estava. Instintivamente, retirei do paletó as medalhas e insígnias e as guardei em uma caixa.

Ainda emocionado e com os olhos molhados de lágrimas, dirigi-me à minha mesa e com as mãos trêmulas e cheio de uma alegria enlevante, retirei da gaveta o Ritual de Aprendiz Maçom.


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