(Uma Sátira dos Irmãos que fizeram nossa História)
(Um alerta aos Irmãos que fazem a nossa História)
O silêncio sepulcral na sala dos passos perdidos
intriga o Mestre de Cerimônias:
- Já é meio
dia em ponto. É hora de iniciarmos nossos trabalhos. Onde estarão os irmãos?
Talvez seja meia noite, vou bater maçonicamente à porta do templo...
Ao levantar a espada para dar as pancadas na porta,
de súbito começam a cair os quadros da galeria de ex-veneráveis, o chão treme,
os lustres balançam, as luzes piscam e a porta do templo se abre num rangido.
Assustado, o Mestre de Cerimônias olha o interior do
templo e, incrédulo, vê o pavimento mosaico com uma enorme rachadura. Através
dela brota um homem magro, bigode retorcido, nariz adunco, olhar brilhante,
face pálida e lábios arroxeados: sintomas típicos da an o xia crônica provocada
pela tísica que lhe consumia os pulmões. O Mestre de Cerimônias reconhece o
grande poeta, mas antes que pudesse pedir-lhe um autógrafo para seus filhos, é
interrompido por ele. O baiano Castro Alves, poeta dos escravos, o mais
entusiasta dos abolicionistas, estudante da Faculdade de Direito do Largo de
São Francisco, amante apaixonado da atriz Eugênia Câmara, coloca-se à ordem
(apesar das dificuldades pela falta de seu pé direito amputado) e brada:
- GADU! ó GADU! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes?
Embuçado nos céus?
Mas não consegue concluir a declamação do seu tão
famoso poema "Vozes D?África" porque surge das entranhas do templo D.
Pedro I, interrompendo o poeta aos gritos:
- Se a Maçonaria quer que eu fique, diga a todos que
FICO. Fico e grito: "Independência ou morte!!". E agora que sou defensor
perpétuo e Imperador do Brasil, quero ser eleito Grão Mestre da Ordem e compor
o hino da Maçonaria. Onde o estão o Ledo e o Bonifácio?
- O Irmão Gonçalves Ledo está na Primeira Vigilância
e o Irmão José Bonifácio, no Oriente, na cadeira do Venerável ; diz o Mestre de
Cerimônias.
- Chame os irmãos! Revista-os com suas insígnias,
pois vou iniciar os trabalhos. E seja rápido, senão eu fecho essa bodega e a
transformo num palácio para minha marquesa; ordena o Imperador, dirigindo-se ao
trono de Salomão enquanto os irmãos Ledo e Bonifácio se agridem em defesa,
respectivamente, da República e da Monarquia.
Já assustado, e temente que o Grão Mestre-Venerá
vel- Imperador-Composito r cumpra a promessa, o Mestre de Cerimônias olha
através da rachadura no pavimento mosaico e grita aos irmãos.
Logo sobe, cambaleante, o Irmão Jânio Quadros.
Cabelos em desalinho, óculos de tartaruga em assimetria, coloca-se à ordem com
os pés trocados e pergunta:
- Quando começa o Copo D'água?
- Calma, Jânio... Por que você bebe tanto?
- Bebo porque é líquido. Se fosse sólido,
comê-lo-ia.
- Você precisa renunciar a este vício, Irmão
Jânio... E, por falar em renunciar, por que você renunciou?
- Fi–lo porque qui-lo e também por conta das forças
ocultas.!!!! !!
Malheta o Imperador :
- Componha rápido esta Loja, Irmão Mestre de
Cerimônias. Chame o Rui para a oratória.
- Já estou aqui, Venerável Mestre. Acabei de chegar
da Holanda. O irmão Paranhos Jr., "Barão do Rio Branco", enviou-me
para representar o Brasil na Conferência de Haia. Fiz sucesso. Estão até me
chamando de "O Águia de Haia". Mas não é a nossa "Águia
bicéfala", é "Águia macrocéfala".
- E viva a República!!
- Viva a Monarquia!!
- Cale a boca, Bonifácio, senão eu lhe deporto! ;
ameaça D. Pedro.- Isto aqui está muito bagunçado. Coloquem uma música na
harmonia!
- Estamos aguardando o irmão Carlos Gomes. Ele está
tocando "O Guarani" no Repórter Esso, Venerável Mestre.
- Venham todos assinar o livro de presença , grita o
irmão Dib, batendo com a palma da mão no trono da chancelaria. Freqüência,
presença e comparecimento: estes são os deveres do maçon. E tem mais, irmão
Guatimosin, este templo tem o meu nome e não vou permitir que seja transformado
num palácio para Dona Domitila. Eu e mais dezesseis irmãos (dezesseis ou
dezessete, já nem tenho mais certeza porque fizeram uma confusão danada com
essa história) fundamos a Loja, construímos o templo e não vamos permitir que
ele seja profanado.
- Se for pra competir, eu também quero dizer que
tenho um Kadosch que é só meu , diz o Irmão Ledo.
- !!!!! Silêncio!! Silêncio!! Suspendam os sinais
maçônicos! Temos um goteira entre nós! Irmão Guarda Interno, quem é esse
cabeludo com uma corda no pescoço?
- É o Tiradentes, o Mártir da Independência,
Venerável Mestre.
- Tiradentes uma ova! Agora sou um dos 200 mil
dentistas deste país, com diploma na parede e anel no dedo.
- Irmão Mestre de Cerimônias: coloque o Tiradentes,
ou melhor, nosso mártir dentista, entre colunas para o telhamento.
- Sois maçon?
- Iniciei-me por correspondência, Venerável Mestre.
- Ah, eu pensei que o Irmão fosse membro da nossa
primeira Loja brasileira, a "Areópago de Itambé", do Irmão Arruda
Câmara. E o Irmão sabe a palavra senha?
- Sei, sim, Venerável Mestre: "Tal dia é o
batizado".
- Tá bom. Então, pode assumir um lugar entre nós.
Afinal, você merece pois foi o único enforcado dos 11.
- E viva a República!!
- Cale a boca, Ledo!
- Não sou o Ledo, Venerável Mestre. Sou o gaúcho
Bento Gonçalves, e estou dando vivas à "República do Piratini".
- E o Ledo, por que está tão calado?
- Estou confuso, Venerável Mestre. Não sei se hoje é
20 de Agosto ou 09 de Setembro, se estamos na Era Vulgar ou no Ano da
Verdadeira Luz, e preciso fazer meu discurso na loja Comércio e Artes do Rio de
Janeiro. E, novamente, outro bate boca:
- A República é o melhor para o Brasil!!
- Não é!!! É preciso fazer uma mudança gradual, mas
não temos sequer um nome para assumir a presidência.
- Chame o Deodoro para assumir o governo provisório.
Irmão Mestre de Cerimônias, grite pelo Deodoro!
Chega o Deodoro, doente, fragilizado, desencantado e
diz:
- Tô fora. Já dei a minha contribuição: já assumi,
já fechei o Congresso, já renunciei ao governo, ao Grão Mestrado. Quero que me
esqueçam. Vocês se resolvam com o Floriano, o "Marechal de Ferro".
- Calma, Deodoro. Quem disse isto foi outro
presidente.
Nesse ponto a confusão torna-se muito grande, já
virando caso de policia, ou melhor, de exército. Chamam o Caxias.
Montado num enorme cavalo, brandindo sua espada, sai
das profundezas o nosso Duque Patrono do Exército brasileiro:
- Sigam-me os que forem brasileiros!
- Para onde, Caxias?
- Para qualquer lugar, desde que estejamos
"ombro a ombro" e não "peito a peito".
- Obrigado por ter vindo, mas tire esse cavalo do
templo e resolva essa querela o mais diplomaticamente possível.
- Eu só sei resolver na espada. Diplomacia é l á com
o Barão, o do Rio Branco.
- Irmão Guarda Interno, controle a entrada dos
irmãos. Quem é esse aprendiz no topo da coluna do Norte?
- É o Euclides da Cunha, Venerável Mestre.
- O jornalista do Estadão? O autor de "Os
Sertões"? Aquele que disse que "o sertanejo é um forte"?
- Não, Venerável Mestre. Este não é aquele que
disse. Esse é o próprio sertanejo forte do sertão baiano.
- Tá bom.. Então deixa ele aí, quietinho, na coluna
do Norte. Meus irmãos: estando a Loja dos Espíritos composta, vamos iniciar
nossos trabalhos. Irmão Guarda Interno: verifique se estamos a coberto.
O Irmão Guarda Interno sai do templo e, após alguns
minutos de longa espera, retorna e diz:
- Venerável Mestre: é com profunda tristeza que vos
informo o que vi. - E o que
vistes, Irmão Guarda Interno?
- Venerável Mestre, na Sala dos Passos Perdidos
amontoam-se milhares de irmãos deitados na cama da fama. Dormem um sono
profundo. Alguns até roncam; outros sonham com a Maçonaria do passado. No salão
de festas, outro tanto se repasta com gordurosos bolinhos, pastéis e canapés.
Bebem refrigerantes, cerveja e até aguardente. Algumas conversas, felizmente a
minoria, vão do mesquinho ao ridículo. Pequenos grupos fazem pequenos negócios.
Alguns, mais preocupados com os grandes problemas da Ordem e da sociedade,
parecem sonhar acordados quando falam de seus utópicos projetos, e outros,
talvez por não entenderem a real dimensão dos problemas, tentam resolvê-los com
pequenas soluções, fazendo jantares beneficentes, bazares e vendendo até rifas.
- Não é possível!!!!! Não acredito no que ouço! Abandonaram
a liberdade de pensar! Não se fomentam mais as grandes idéias! Perderam os
nossos ideais! Interromperam as nossas conquistas e agora interrompem o nosso
merecido descanso. Por que nos incomodam??? ? !!!! De pé e à ordem. Irmão
Mestre de Cerimônias: abra as portas do templo. Meus irmãos: enchamos de ar os
nossos pulmões e gritemos em uníssono:
-ACORDEM, MEUS IRMÃOS!!
Enviado pelo Ir.’. Alexandre Braun