Hoje celebramos o 140º aniversário de nascimento deste gênio brasileiro que mudou os rumos da humanidade! Ruas, escolas, edifícios e até mesmo a cidade em que nasceu levam seu nome como homenagem. Na foto, está um pouco diferente de como costumamos vê-lo, mas está fácil reconhecê-lo, não é?!
sábado, 20 de julho de 2013
sexta-feira, 12 de julho de 2013
“Aprendi a voar na Alemanha, durante a guerra”
( Sic )
Por Plinio Lins -
Em meados de abril do corrente
ano, os amigos Alexandre Venson e Francis Barros me convidaram para assistir ao
treino de acrobacia de competição que seria ministrado pelo
veterano russo Sergei Boriak, na Estância Teimoso, perto de Curitiba.
Ocorre que, além de assistir o
treinamento, acabei me deparando com uma ‘camada’ da aviação que jamais pensei
que encontraria ali: em certa hora do dia, apareceu um senhor de aspecto
simpático e tranquilo, que caminhava pelos hangares e observava os voos. Veio
na direção onde estávamos eu e um colega de faculdade, e perguntou quem éramos,
de onde vínhamos, e iniciamos uma conversa. Em determinado momento, descobrimos
que ele tinha uma história inusitada e surpreendente: ele havia morado na
Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, e mais, havia aprendido a voar na
mesma escola que formou os ases da Luftwaffe (1)!
Seu nome é Ary Schnaibel, e tem
86 anos. Seus pais vieram da Alemanha para o Brasil no início do século XX e
residiram por um tempo no Paraná, onde ele nasceu. Porém, no início da década
de 1930, a Alemanha estava se soerguendo de uma crise e passava por uma fase de
grande crescimento econômico. Isso fez com que a família Schneibel resolvesse
voltar para lá, indo morar em Dresden, bela e próspera cidade ao sul de Berlim.
Chegando lá, o pequeno Ary teve
um estreito contato com o mundo da aviação, que então estava em um rápido
desenvolvimento, e logo começou a se envolver com construção e voo de pequenos
aeromodelos.
No entanto, como é de
conhecimento geral, a Alemanha estava sob o governo dos nazistas, e estes não
tardariam a lançar o país na maior e pior guerra que a humanidade já viu – a
Segunda Guerra Mundial.
Esse quadro histórico fez com
que o jovem Ary fosse obrigatoriamente encaminhado para a vida militar. E uma
vez diante dessa situação, imediatamente ele vislumbrou a chance de se tornar
um piloto de caça. Ocorre que, pela questão da idade, muitos capítulos da
guerra já tinham acontecido quando ele estava pronto para se tornar um caçador,
e isso fez com que ele percorresse uma carreira diferenciada durante o
conflito.
Curioso para saber como era
aquele método de formação que gerou tantos ases, passei a fazer a ele várias
perguntas, às quais foi respondendo detalhadamente. Manifestei também a
intenção de publicar essa experiência de vida, ideia com a qual ele concordou.
Assim, passo a reproduzir o que
ele me contou:
Como era o ensino do voo na
Alemanha
“O aprendizado de pilotagem era bem diferente do
que existe hoje, e o indivíduo já saía solo desde o primeiro voo… Naquela época
todo mundo descobria o voo sozinho! A aprendizagem era feita em várias etapas,
e o curso era gratuito e bancado pelo governo, sob a responsabilidade da Hitlerjugend
(2). Quando completávamos 14 anos éramos obrigados a nos alistar na Hitlerjugend,
e era possível escolher para qual atividade você seria direcionado. Óbvio que
escolhi o ramo da aviação.
“O curso começava com planadores básicos, que
faziam apenas pequenos ‘saltos’. Depois, conforme o indivíduo fosse se
aperfeiçoando, iam aumentando a distância e tempo dos voos.
“No primeiro estágio do curso, o planador era
colocado em um barranco e amarrado em uma corda esticada em ‘v’, com quatro ou
cinco garotos segurando na cauda. Iam puxando até esticar a corda, e em seguida
soltavam. Era só um ‘pulo’, uma ‘planadinha’ e já caía no chão; o indivíduo
tinha que se virar sozinho para pousar sem quebrar.
“Em seguida passavam para a fase
de reboque a automóvel, que incluía o aprendizado de curvas em voo. Aí ou
já era no Schulgleiter SG 38 ou no Grunau
Baby. Rebocavam o planador com um automóvel, numa pista ou num terreno
plano. Então acelerava até sair do chão, e, conforme o comprimento da corda,
soltava mais alto ou mais baixo. Sempre em voos curtos. Mas nesse caso já
começava a fazer curvas de 180º, 360º, etc.
“A fase seguinte era com um
guincho. Lá onde eu fiz os treinos, em Dresden, o campo era arredondado, de
limites irregulares, e então direcionavam o cabo de acordo com a direção do
vento. Eram 1.400 metros de cabo. Decolávamos, deixávamos voar um pouco na
horizontal a uns 30 metros de altura, e depois cabrávamos o nariz a uns 60
graus para dar uma subida rápida. Quando chegava mais ou menos na metade do
comprimento do cabo você já estava na altura necessária, podendo então
desligá-lo. Aí cada um se ‘defendia’ como podia, pegando térmica ou descendo
planado. E era um lançamento atrás do outro, o céu cheio de planadores. E
todo mundo em voo solo.
“Era uma média de 20 ou 30
lançamentos para cada um, o total dependia do aluno. Passada essa fase, já
podíamos ir para a outra etapa, que era reboque por avião. Aí já era um planador
de dois lugares, o Kranich. Nesse caso era preciso um instrutor junto – não
para ensinar o voo, mas para passar os macetes para ficar atrás do outro avião.
Naquela época não existiam as cordas de nylon, era cabo de aço. Então se você
não mantivesse a corda esticadinha, levava uns trancos de assustar!
O voo militar, e a preparação para voar o Messerchmitt Me-163 Komet
“Quando atingi a idade de me
alistar fui incorporado à Luftwaffe. Mas quando cheguei nessa fase já
era o ano de 1944, a Luftwaffe já estava no fim, e nem sabíamos se
daria tempo de voar em combate. Mesmo assim, me encaminharam para pegar instrução
inicial do Messerchmitt Me-163 Komet - aquele ‘foguetinho’.
“Sabíamos que o número de baixas nesse modelo era monstruoso, em torno de 75%, mas naquela idade nós éramos loucos mesmo, e não ligávamos para isso. Esse avião voava até acabar o combustível, e depois planava para pousar. Ele tinha sete cargas de foguete, e com uma carga ele já subia até 12 mil metros. Então a regra era já atacar os bombardeiros inimigos na subida, de baixo para cima, para depois dar a volta pelo alto e mergulhar atacando também – ir ‘costurando’ até acabarem as cargas. Quando esgotassem os foguetes, a regra era apontar o nariz para o chão e mergulhar para fugir e pousar. Esse avião não era mais do que um planador, equipado com foguetes e armamento. Só que no mergulho ele não passava de 500 km/hora, e os Mustangs e os caças russos atingiam 700km/hora. Então você não tinha o que fazer numa situação dessas, não tinha arma virada para trás! Caso o indivíduo tivesse sorte e conseguisse escapar, ainda tinha o pouso pela frente, que era algo crítico. A velocidade de pouso era de 180 km/hora – cerca de 100 nós – e não tinha pista, não tinha aeroporto, tinha que pousar em qualquer lugar. E se o terreno fosse ruim, a 180 km/hora … meu amigo, o ‘troço’ era feio!”
“Sabíamos que o número de baixas nesse modelo era monstruoso, em torno de 75%, mas naquela idade nós éramos loucos mesmo, e não ligávamos para isso. Esse avião voava até acabar o combustível, e depois planava para pousar. Ele tinha sete cargas de foguete, e com uma carga ele já subia até 12 mil metros. Então a regra era já atacar os bombardeiros inimigos na subida, de baixo para cima, para depois dar a volta pelo alto e mergulhar atacando também – ir ‘costurando’ até acabarem as cargas. Quando esgotassem os foguetes, a regra era apontar o nariz para o chão e mergulhar para fugir e pousar. Esse avião não era mais do que um planador, equipado com foguetes e armamento. Só que no mergulho ele não passava de 500 km/hora, e os Mustangs e os caças russos atingiam 700km/hora. Então você não tinha o que fazer numa situação dessas, não tinha arma virada para trás! Caso o indivíduo tivesse sorte e conseguisse escapar, ainda tinha o pouso pela frente, que era algo crítico. A velocidade de pouso era de 180 km/hora – cerca de 100 nós – e não tinha pista, não tinha aeroporto, tinha que pousar em qualquer lugar. E se o terreno fosse ruim, a 180 km/hora … meu amigo, o ‘troço’ era feio!”
“No curso para voar o Komet nós
usávamos não ele, mas o Grunau Baby, que era rebocado até 3 mil metros de
altura. Quando desligávamos, esperávamos um pouco e picávamos com tudo o
manche, afundando o nariz e iniciando um mergulho a 90 graus em direção ao
solo. Era para deixar ele mergulhar assim até uma altura de uns 300 metros,
para só então nivelar. Tudo isso era para treinar a atitude de fuga do Komet. O
planador não pegava velocidade, então era tranquilo para sair, dava uns 4 ou 5
‘Gs’, mas isso não machuca ninguém e o Grunau aguentava tranquilamente. E com
isso, quem era medroso já caía fora! E embaixo havia uma pista bem demarcada,
com 15 metros de largura e 80 metros de comprimento. Três pousos fora daquela
área e estava fora do curso, não servia para voar o avião. Mas não me lembro de
ninguém ter sido desligado nessa fase, afinal, ficávamos o dia todo dentro do
avião e ficávamos super acostumados.”
Mudança de rumos e a impossibilidade de voar na Luftwaffe
“Mas enfim, quando terminei essa
fase a Luftwaffe praticamente já havia acabado, estava realmente
‘esculhambada’. As bases haviam sido bombardeadas pelos ingleses e americanos,
e não havia mais combustível para os aviões que sobraram. Então acabaram me
mandando para o front como soldado mesmo: começamos o treinamento de guerra de
infantaria, e esse treinamento já era feito caminhando em direção ao Leste,
onde nos juntaríamos ao grosso das tropas que estavam tentando deter o Exército
Vermelho, que nessa época já estava na Polônia. Nos dois primeiros anos os
russos apanharam muito e quase perderam a guerra, mas desde 1943 eles haviam
começado um contra ataque muito difícil de segurar. A maioria das tropas alemãs
sempre foi direcionada para a luta contra a Rússia, só que agora estava muito
difícil manter. Se for contar toda a distância que eu percorri na ida, e tudo
que voltei recuando, debaixo do ataque russo, deu uns 3000 quilômetros de
caminhada, em três meses…”
No front, como soldado de infantaria
“Quando eu cheguei no front os
russos já haviam tomado Varsóvia, e estavam avançando em direção à fronteira da
Alemanha. Nós lutamos no interior da Polônia, e levamos muito chumbo deles;
fomos nos virando como podíamos.
“O dia mais difícil no front foi
o primeiro… Porque durante o treino nós nunca tínhamos escutado granadas,
metralhadores e canhões estourando daquela forma, e o pior era saber que
estavam atirando em nós. Todo dia tinha troca de tiros pesada. A
companhia não lutava toda junta, ficávamos espalhados em grupos menores.
Algumas vezes, para usar algumas armas contra os tanques tínhamos que chegar a
apenas uns 30 metros deles! O tanque T-34 levava 8 segundos entre um tiro e outro, e nesse
intervalo dava para correr um bom pedaço – segundos preciosos sobretudo na hora
de fugir.
“A sorte que tivemos é que nossa
unidade era comandada por um sargento super experiente, com 5 anos de guerra
nas costas. Ele sabia exatamente onde dava para parar e atirar, e onde
não adiantava fazer nada. Se não dava, mandava recuar sem escrúpulos. Era um
sujeito decente. Já estava tudo no fim mesmo, tudo perdido, por que ficaríamos
lá marcando posição? Mas mesmo com esses cuidados, lembro que na nossa unidade,
além dos mortos, uns 5 soldados simplesmente sumiram, nunca soubemos se foram
atingidos, levados prisioneiros…”
Os dias finais da guerra
“Quando terminou a guerra nossa
unidade já tinha recuado centenas de quilômetros e se deslocado para o outro
lado; estávamos perto do porto de Hamburgo. A Alemanha estava sendo tomada
pelos russos ao leste, e pelos demais aliados a oeste. Então o comandante
chegou para nós e disse: “A guerra está acabando, agora é cada um por si.
Juntem todo o armamento, coloquem uma dinamite no meio e explodam. Joguem fora
os uniformes, procurem roupas de ‘paisano’ e tentem ir para suas casas.” Porém,
pouco tempo depois fomos presos pelos ingleses, que estavam avançando na
região.
“Era tanta gente presa que era
impossível que arrumassem comida e água para todos, e durante uns dez dias
chegamos a ficar com apenas um copo de água diário. E os ingleses não fizeram
muita questão de organizar nada, nem olhavam na nossa cara. Quem trabalhava
para cuidar de nós e dos demais prisioneiros eram pessoas de origem negra –
imagino que eram oriundos das colônias inglesas, como a África do Sul e Nigéria
– e eles também não eram bem vistos pelos ingleses. Mas foram esses que
nos ajudaram. Esforçavam-se muito para trazer alguma comida e água.
“Depois de alguns dias,
iniciaram a soltura dos presos, começando pelos mais velhos e pelos mais novos.
Iam chamando os grupos de acordo com o ano de nascimento: 1926, 1925, 1924,
etc. Lembro que quando chamavam nascidos em determinados anos quase não havia
prisioneiros, a maioria havia morrido. Eram pessoas que já estavam fazendo o
serviço militar obrigatório quando a guerra começou, e desses praticamente não
sobrou quase nenhum. Sobreviver a um mês de guerra já é difícil, imagina dois,
três…um ano, dois anos… A minha sorte é que eu não tinha idade quando tudo
começou, e da minha idade havia sobrado mais ou menos a metade do contingente.”
A Alemanha em ruínas
“Depois de soltos, cada um
buscou o caminho de casa – a pé, pois não havia nenhum meio de transporte
funcionando. O país estava um caos. Eu peguei a estrada em direção a Dresden, e
caminhei para lá junto com um grupo de judeus, recém saídos de um campo de
concentração – nós caminhamos por 5 dias. Por incrível que pareça, consegui
achar minha casa e minha família. A região central da cidade havia sido praticamente aniquilada durante várias ondas de bombardeio
dos aliados – eles jogaram até barris de fósforo, para queimar tudo
mesmo - mas os bairros dos arredores, onde ficava minha casa, não foram
tão atingidos. Porém, nenhum dos meus amigos que tinha ido para o front voltou.
Inclusive perdi dois tios e dois primos, que nunca voltaram da Rússia. Nessa
hora você fica com muita pena sobretudo das mulheres com filhos pequenos. Nós
adultos sofremos quando ficamos sem comida, mas depois vamos nos acostumando.
Mas criança pequena não, e isso é muito triste.”
O dia seguinte
“Depois as coisas foram se
ajeitando aos poucos. Quando dividiram a Alemanha, Dresden ficou do lado
soviético, e bem no quarteirão da minha casa o NKVD (3) instalou uma de suas
bases. A vantagem com isso é que fecharam um perímetro muito grande ao redor, e
ninguém chegava perto, ficamos bem seguros… E aos poucos fomos nos acostumando
com a presença dos russos: na verdade, nunca tivemos nenhum problema com eles,
eram gente boa! E aí você vê a estupidez daquela guerra: tanta gente morta, e
no final eram pessoas iguais a nós.
“Mas lembro-me que um dia
estávamos num baile que era só de alemães – os russos tinham ordens de não se
misturarem conosco – e em determinado momento entraram alguns oficiais do
Exército Vermelho. Eles se sentaram e começaram a beber, e nós nem ligamos,
deixamos eles lá bebendo à vontade. Mas algum tempo depois surgiram pela porta
agentes do NKVD, que começaram a berrar e espancar esses oficiais com
coronhadas de revolver e de fuzil, na frente de todo mundo. Humilharam eles na
nossa frente. Depois saíram arrastando-os para fora, jogaram eles dentro do
caminhão e foram embora. Eu fico lembrando disso e acho engraçado esse pessoal
hoje em dia que tem pena de delinquente… se eles soubessem como era o cotidiano
daquela época…”
____________________________________________________________________
Aqui termina o relato gravado.
Quando o Sr. Ary estava contando essa parte da história, um dos aviões
acrobáticos decolou e começou a manobrar sobre nós, e tanto ele quanto eu
desviamos o foco para prestar atenção no voo. Ao retornar a conversa, ele me
contou como sua vida foi se reestruturando: depois de três anos (em 1948) ele e
a família embarcaram em um navio do Lloyd Brasileiro, retornando novamente ao
Brasil. A viagem de volta foi narrada por ele em um diário recheado de fotos e
ilustrações, com algumas páginas que são uma verdadeira obra de arte.
Chegando ao Paraná, ele se
incorporou ao Exército Brasileiro, ao qual serviu durante um tempo, e após seu
desligamento envolveu-se em diversas atividades relacionadas ao voo, inclusive
ajudando a fundar a IPE
Aeronaves e a Estância Teimoso, condomínio aeronáutico no qual reside até
hoje.
As fotos em preto e branco foram cedidas por Ary
Schnaibel.
Colaborou: Thiago dos Santos Dias
___________________________________________________________________________
Notas:
(1) Força Aérea Alemã
(2) Juventude Hitlerista – instituição de alistamento
obrigatório que visava treinar e doutrinar jovens para as atividades civis e
militares do “Reich”.
(3) Sigla para “Narodnyy Komissariat Vnutrennikh
Del“, ou “Comissariado do Povo para Assuntos Internos”. Era a
polícia responsável pela segurança política do Estado soviético, e que mais
tarde se transformaria na KGB (Comitê de Segurança do Estado)
Fonte : Aeromagia
Assinar:
Postagens (Atom)