terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Grau 5 – Mestre Perfeito (REAA)

 




Avental do Grau 5 do REAA – Mestre Perfeito

Diz o ritual do grau 5 (Mestre Perfeito) que Salomão, após a descoberta do corpo de Hiram Abiff, que tinha sido enterrado pelos companheiros assassinos numa cova rasa no Monte Líbano, ordenou que o cadáver fosse trazido a Jerusalém, onde seriam realizadas a exéquias. Ordenou então ao inspector das obras do Templo, Adonhiram, filho de Abdá, que preparasse os funerais do mestre, ao qual deveriam comparecer todos os obreiros com os seus respectivos aventais e luvas brancas. Embalsamado, o corpo de Hiram foi colocado numa urna postada no terceiro degrau do altar do Sanctum Sanctorum, onde recebeu a veneração de todos os obreiros e da população de Jerusalém [1].

Lembra ainda o ritual que o Grau do Mestre Perfeito tem por finalidade honrar a memória dos Irmãos, ao qual se deve respeitoso culto. Este grau, que é o quinto da chamada escala dos Graus Inefáveis, no Rito Escocês Antigo e Aceito, é conferido por comunicação, quando os Irmãos recebem o título de Prebostes e Juízes, títulos distintivos dos maçons elevados ao grau 7 do Rito Escocês. Assim, quando recebem este último grau, recebem também, por comunicação, os graus 5 (Mestre Perfeito) e 6 (Secretário Íntimo) [2].

Embora a liturgia desenvolvida no ritual do REAA seja quase inexistente, é possível perceber, pela composição da câmara do grau, pelas palavras e símbolos nele utilizados, que este grau se destina a compor um importante papel no simbologia iniciática que está por traz do curioso drama da morte do arquitecto Hiram Abiff, a quem os maçons do REAA reverenciam como pai da maçonaria.

É evidente para os maçons que realmente conhecem a sua “arte”, que o drama de Hiram não é uma simples alegoria sem sentido que foi inventada para simbolizar uma passagem de grau. E que o mestre Maçom conhecido por esse nome não é o Hiram da Bíblia, que trabalhou para o rei Salomão, fundindo as colunas de bronze do Templo de Jerusalém, bem como todas as obras desse metal que seriam utilizadas no culto.

Simbologia iniciática

O Hiram dos maçons não é um personagem histórico, mas sim um arquétipo, quiçá inspirado no artesão judeu-fenício que Hiram, o rei de Tiro, indicou para Salomão para fundir os artefactos de bronze do templo, mas que claramente representa um papel simbólico e iniciático na curiosa liturgia maçónica.

Hiram, na simbologia maçónica é o construtor do Templo de Deus, ou seja, o próprio cosmo, no sentido que ele representa. Ele representa o próprio Demiurgo, que na teologia gnóstica e na tradição cabalística é o verdadeiro mestre-arquitecto do mundo, ou seja, o arcanjo mestre de uma confraria angélica conhecida pelo nome de Elohin.

Elohin fez o mundo e o homem à sua imagem, porém Elohin não é Deus, mas sim, uma assembleia de seres angélicos, manifestados a partir da acção de Deus no mundo da existência positiva.

A maçonaria simbólica e iniciática vê o mundo como se ele fosse um edifício cósmico, sendo construído a partir de um alicerce que são as leis naturais e preenchido e ornamentado com as leis morais e éticas que formam o arcabouço social, religioso e político da sociedade humana. É neste sentido que ela cultiva, como arquétipos fundamentais da sua estranha liturgia, a figura mítica de Hiram Abiff e o Templo de Jerusalém, tendo o Rei Salomão como figura central nesse processo.

E a partir destes dois arquétipos ela desenvolve a sua cadeia iniciática, mostrando que tanto o mundo da matéria (o universo físico) e o mundo do espírito – o carácter do homem – se constroem pelo mesmo processo.

Num sentido, o Templo de Jerusalém é o símbolo do mundo que é construído, derrubado e reconstruído tantas vezes quantas for necessário, para que um dia, o espírito humano encontre um lugar ideal para cultuar o Princípio Único que rege a vida do universo. E nesse Templo, que é o próprio cosmo, finalmente o universo encontrará o seu definitivo equilíbrio, com o espírito humano fundindo-se, afinal com Aquele que o gerou. Tal é a escatologia da maçonaria na sua liturgia simbólica e iniciática, que na sua formula estrutural se inspira na arquitectura cabalística do mundo, pois esta, centrada na Árvore da Vida, também concebe o universo como sendo um edifício que é construído em sucessivas etapas de manifestação da energia criadora, distribuída pelas suas séfiras.

Neste processo, surge sempre a necessidade do sacrifício. A simbologia do sacrificado é um arquétipo que habita o inconsciente da humanidade desde a mais remota antiguidade. James Fraser, no seu trabalho clássico “O Ramo de Ouro”, mostra-nos como essa simbologia actuava no inconsciente dos povos primitivos, fazendo dos seus míticos heróis e deuses, uma espécie de oferenda que eles faziam para que os Poderes que regem a vida cósmica os favorecessem e dessem o seu patrocínio à organização das suas sociedades.

O simbolismo do sacrificado

É desta forma que todo grande empreendimento humano tinha que ter o seu deus, o seu herói, o seu “sacrificado”, para que a Divindade lhe desse o seu patrocínio. Esta arquetipia teve o seu simbolismo aplicado até na história da fundação do povo de Israel, quando Abraão foi concitado a oferecer o seu próprio filho Isaque em holocausto a Jeová. No caso de Abraão o sacrifício acabou sendo simbólico, pois Jeová destinava Isaque para missão mais importante, ou seja, dar nascimento ao povo escolhido, mas o episódio, em si mesmo, é uma clara referência a esse curioso simbolismo iniciático que os antigos povos cultivavam. Ela repetir-se-ia mais tarde no na história de Jesus, cuja morte é tida como um sacrifício feito pela salvação da humanidade.

A maçonaria encontrou em Hiram Abiff o seu “sacrificado”. Não há, na Bíblia nem em qualquer outro documento antigo qualquer referência ao assassinato de Hiram, o fundidor das colunas e dos artefactos de bronze do templo de Jerusalém, nem que esse personagem fosse, aliás, arquitecto. O episódio todo, conforme representado na maçonaria, é claramente uma teatralização deliberadamente forjada para simbolizar, primeiro que o universo físico e espiritual é construído através das mesmas fórmulas; segundo que a humanidade, tal como o Templo de Salomão, é submetida a um processo de ascensão e quedas ates encontrar o seu destino final, e terceiro que toda obra deve ser consagrada, através de um sacrifício ao Princípio Único que rege a vida do universo. Este sacrifício, que no passado foi literal mesmo, pela oferta de uma vida, hoje é simbólico, mas continua sendo necessário para que a obra seja abençoada.

É neste sentido que o carácter do homem maçónico, forjado na elevação do companheiro para mestre, alcança aí, o limite da perfeição simbólica, razão pela qual o grau se chama “ O mestre perfeito”.

Evidentemente trata-se de um mero simbolismo que não pode ser tomado no seu sentido literal, pois se assim for estaremos incorrendo numa grosseira manifestação de arrogância que não seria própria da maçonaria. O que se quer dizer aqui é que a obra se completa pelo sacrifício do carácter profano do iniciado, simbolizado na morte de Hiram Abiff.

Inspiração histórica

Todavia, a liturgia desenvolvida nos graus inefáveis, especialmente os graus 4 e 5, que se referem aos funerais do Mestre Hiram, não têm apenas fundamentos simbólicos e iniciáticos, mas integram também tradições históricas cultivadas pelos antigos povos. Estas tradições referem-se ao respeito que devia ser prestado ao corpo do “sacrificado”, ou daqueles a quem o povo atribuísse papel significativo na organização das suas sociedades. Estas tradições eram observadas principalmente na Grécia e em Roma com os seus cultos aos ancestrais e a complicada liturgia egípcia em relação ao culto que se prestava aos mortos.

Assim, a estranha liturgia que se desenvolve nestes graus destina-se, como diz o ritual, a preservar essas tradições, pois povo que não as cultiva é povo sem alicerce básico.

Assim, o simbolismo desta alegoria recorda a necessidade de serem cumpridas as tradições. Os deuses exigem fidelidade ao que foi determinado. Nada se cumpre, nada se realiza sem o devido ritual. Por isso a obra máxima da literatura egípcia é exactamente a crónica ritualística da preparação do defunto para a sua viagem pela Tuat, a terra intermediária entre a existência humana e a sua transformação final em espírito.

Na religião egípcia, o morto que não tivesse sepultura digna e não fosse submetido aos devidos rituais, não tinha direito ao julgamento de Osíris nem podia aspirar à devida regeneração propiciada por aquele deus. .

Por isso é que na adaptação maçónica dessa tradição, Salomão cuida de dar a devida sepultura ao Mestre Hiram e cumprir os rituais exigidos, porque sem essas providências, o processo de simbiose espiritual entre o arquitecto sacrificado e os mestres elevados não se realizaria.

João Anatalino Rodrigues

[1] Conforme descrito no Livro dos Mortos, colectânea de hinos ritualísticos compostos para serem cantados durante as cerimónias fúnebres.

[2] Para mais informações sobre o simbolismo iniciático desses graus veja-se a nossa obra “Conhecendo a Arte Real”, publicada pela Editora Madras.




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