As influências do grau
Um dos mais importantes graus das Lojas de Perfeição, do ponto vista iniciático, é o chamado Cavaleiro Eleito dos Nove, correspondente ao grau nove da Escada de Jacob. É conferido através de adequada iniciação. Nos Mistérios Antigos este grau correspondia à iniciação nos chamados “ Mistérios Menores”. Mostrava ao iniciado o real significado do mito de Osíris, o conteúdo metafísico da sua morte e ressurreição noutro estado do “ser” e a necessidade de todo homem passar por este processo se quiser se libertar da eterna peregrinação pelo mundo da matéria e pela “terra intermediária” (Tuat).
Na Maçonaria do Rito Escocês, além da influência egípcia, o rito foi enxertado com elementos da tradição hebraica, que nele está presente através de vários símbolos e alegorias emprestado à Cabala.
É possível perceber também várias evocações a tradição hermética, o que certamente revela a contribuição dos “maçons aceitos”, cultores da Gnose e da Alquimia.
A lenda do grau
Diz a lenda do grau 9 que Salomão, uma vez terminados os rituais devidos ao sepultamento de Hiram, quis vingar o assassinato do seu Mestre Arquitecto, perpetrado e realizado pelos Jubelos. Estes, após o crime, tinham-se escondido numa caverna. Um pastor, que os vira no esconderijo, denunciou-os ao rei. Salomão reuniu os quinze Mestres mais antigos, e por votação feita entre eles, escolheu nove para uma expedição ao local onde os assassinos estavam escondidos. Liderados por Johaben, os Mestres iniciam uma caçada aos criminosos; dois deles, encurralados diante de um abismo, preferem antes saltar para a morte, do que serem presos. O terceiro, acossado por Johaben dentro de uma caverna, crava no próprio peito um punhal. Após cortarem as cabeças dos três assassinos, os Mestres voltaram a Jerusalém para dar satisfação ao rei do cumprimento da missão. Salomão, satisfeito com o resultado, deu-lhes o título de Mestres Eleitos.
No ritual, o desenvolvimento da lenda foi adaptado a fim de dar vida ao simbolismo que o grau encerra. Nele está presente o rei de Tiro. O pastor que denuncia os assassinos, em princípio, é confundido com um deles. É Joahben que mata a punhal o assassino e não ele que se suicida. Salomão, em princípio, não gosta da atitude de Johaben e o submete a julgamento, para depois inocentá-lo, cumprimentando-o pelo seu zelo no cumprimento da missão.
Este simbolismo foi desenvolvido mais tarde, como informa Jorge Adoun, para fins de expurgar do ritual a ideia de que este era “um grau de vingança”, o que não se coadunava com o ensinamento maçónico. Então, o julgamento de Johabem passou a significar que a vingança é um sentimento que não deve ser cultivado na Maçonaria. A vingança pertence a Deus. O Maçom deve praticar a justiça e não a vingança.
A missão dos Mestres Eleitos deve representar a tarefa do Maçom, na sua luta pela identificação e destruição da injustiça e dos vícios que assolam a humanidade e “assassinam” todos os dias os Mestres Hiram (o homem virtuoso). Esta luta é sempre cheia de vicissitudes e perigos. Os Eleitos devem estar imbuídos de coragem, disciplina e zelo pela missão que lhes foi confiada.
Toda a ritualística do grau evoca a missão punitiva. Panos negros, salpicados com lágrimas prateadas, ornamentam a Loja para lembrar a morte de Hiram. A Loja, no caso, representa uma das câmaras do Templo de Salomão, feita câmara mortuária para velar e prestar as últimas exéquias ao Mestre morto. No Altar dos Juramentos, forrado com um pano negro com lágrimas prateadas, estão o Pentateuco, os Estatutos da Loja, as Constituições da Ordem, duas espadas e um punhal. Nove luzes iluminam o Altar dos Juramentos, com oito delas formando um octógono. Nove Mestres, no mínimo, deverão estar presentes à cerimónia. Há somente um Vigilante, o Segundo, com o nome de Stolkin.
O Orador, também chamado “Cavaleiro da Eloquência”, atende pelo nome de Zabud; o Hospitaleiro, pelo nome de Ahishar, o Secretário pelo nome de Zadcco, o Tesoureiro por Joabert. Todos estes nomes não são encontráveis nos registros históricos dos israelitas, nem nas crónicas bíblicas, pois são composições cabalísticas.
Uma bandeira negra com um braço no centro segurando um punhal, encimado pelas iniciais V∴ A∴ M∴ (Vincere Aut Mori), e na parte de cima as iniciais A∴ U∴ T∴ O∴ S∴ A∴ G (Ad Universal Terrarum Orbis Summim Architecti Gloriam), é o símbolo do grau. O avental, de pele branca, forrado em vermelho e negro, tem um braço segurando um punhal, e no quadrado um crânio com duas tíbias cruzadas, circundado por lágrimas prateadas.
O significado iniciático da lenda
“Os trabalhos do Templo estão abandonados”, diz o 2° Vigilante, “ porque os assassinos de Hiram estão vivos e é preciso que morram”. Com efeito, não pode o homem empreender uma missão de construir “templos à virtude e masmorras ao vicio”, que é o lema da Maçonaria, enquanto os seus “próprios vícios”, aqueles que o assassinam diariamente, ainda estão vivos. Na tradição cabalista, o anjo rebelde Samael, com inveja do Criador, seduziu Eva e com ela gerou Cain, dando início a linhagem dos homens maus sobre a terra. Esta linhagem, no entanto, deu origem a ciência, pois dela vieram os conhecimentos de metalurgia, arquitectura, o desenvolvimento da linguagem etc. Foram estes homens, descendentes de Cain, que cultivaram a matéria e aprisionaram o espírito humano nela.
Na crónica bíblica Cain mata Abel, (o mau mata o bom, o espírito é vencido pela matéria, a treva prevalece sobre a luz), mas não poderá ser morto pelo próprio homem, pois Deus assim não o permitirá. E “quem matar Cain será castigado sete vezes em dobro”, razão pela qual ”pôs o Senhor um sinal em Cain, para que ninguém, que o encontrasse, o matasse”.
Por isso Salomão, em princípio, submete Johaben a um julgamento pela morte do criminoso, por que a “ vingança pertence ao Senhor”.
Como conhecimento iniciático, entretanto, isso quer dizer que o homem jamais alcançará a iluminação pelas próprias forças. Ele precisa de “um Mestre” que o salve, o conduza (um Messias), ou então que utilize um “ processo” de purificação da luz que habita dentro dele, para que ela, livre de todo elemento material, (que é produção de opositores do Criador), possa ascender ao reino do divino. E é somente como pura luz que isso é possível.
A lenda dos Nove Eleitos foi desenvolvida também com a finalidade de adaptar tais conhecimentos iniciáticos aos propósitos morais da Maçonaria. Com efeito, ninguém nela ingressa se não for “eleito”, ou seja, cooptado por alguém que a ela já pertence. O candidato tem que ser apresentado por um membro pertencente ao quadro, em seguida é pesquisado, sondado e afinal “votado” pelos irmãos como digno de fazer parte do grupo. Somente após essa “eleição” é ele iniciado.
Depois, a partir do momento em que é iniciado, o que se requer dele? Que “submeta as suas paixões e erga templos a virtude, cavando masmorras ao vicio”. Que quer isto dizer? Que ele deve “matar em si mesmo” todos aqueles ”assassinos” que o impedem de ser virtuoso. Que ele vingue, com essa morte, o assassinato do “homem justo”, que foi cometido por “ aqueles homens maus”, (ou aqueles anjos maus se quisermos pensar nas tradições gnósticas e cabalísticas), que o desviaram da virtude. Quem são estes “homens, ou anjos maus”? São a ambição desmedida e sem moral, a avareza, a inveja, o ódio, a indiferença pela sorte dos seus irmãos de Ordem ou pela sociedade em geral, a ignorância, a preguiça e todos os vícios e sentimentos que aviltam o homem e o levam a se comportar como “filho das trevas”.
Na mística cristã, Jesus explica bem esta questão com a parábola dos trabalhadores da vinha. Nesse ensinamento, ele mostra que não importa a hora nem o momento em que o homem é chamado para cumprir a sua missão. Alguns podem trabalhar mais ou trabalhar menos. Mas todos, independentemente do tempo que trabalharem, receberão a mesma paga. Porque Deus chama a todos mas escolhe, realmente, a poucos. Aos “Eleitos” cabe a missão, realmente messiânica, de “ matar “ os “ assassinos” do espírito do homem, para que ele, assim liberto, possa escolher entre permanecer no “mundo das trevas” ou iniciar a sua ascensão para o “ mundo da luz”.
Por isso, realmente, não se trata de “vingar” o Mestre assassinado, mas sim, destruir os seus assassinos, como medida de justiça e saneamento do mal, evitando que ele daí prolifere.
Se quisermos ver neste simbolismo uma imagem da realidade profana, neste mundo em que vivemos, basta ver como as virtudes, no momento, estão sendo eclipsadas pelo vício. Em toda parte, progride o comportamento criminoso, enquanto parece que cada vez mais a virtude se vê obstruída pelas trevas. O simbolismo dos pensadores gnósticos dos primeiros séculos do cristianismo ainda é valido. O combate entre a luz e as trevas nunca pareceu ser mais feroz do que nestes nossos dias. É preciso, hoje mais do que nunca, pôr em prática o ensinamento contido na lenda dos “ Eleitos do Nove” e sair à caça dos “ assassinos” do espírito humano que pregam a tolerância com o crime, com a destruição do meio ambiente, com as violações das leis da natureza, e deixar que justiça julgue e puna os violadores, pois estes, como disse Jesus, receberão a devida recompensa, já que é, “ é necessário que ao mundo venha os escândalos, mais aí daqueles por quem os escândalos vêm ao mundo”.
No ritual do grau, o presidente da Loja diz aos Mestres Eleitos que “Desde que estás entre nós, continuastes a sofrer o peso do trabalho abandonado. A humanidade está sufocada pela ignorância, corrompida pelo crime. Será preciso sofrer eternamente? Sob os nossos olhos atentos, crescestes em dignidade; tendes a confiança de vossos irmãos. Podemos contar com a Vossa? ”
Evidentemente, se a humanidade não puder contar com aqueles a quem elege, a quem compete livrá-la dos vícios e reconduzi-la à virtude, com quem contarão? É a estes que incumbe a luta para recuperar o estado de harmonia, ordem e estabilidade que existia antes que o crime ( o crime de Cain, o pecado de Adão, a corrupção da mulher através da Serpente, a sedução de Eva por Samael, etc.) , provocasse a queda do homem primitivo, que sabia qual o seu exacto lugar na natureza, que fazia parte dela e não era, como se pensa hoje, alguém que deve dominá-la e fazê-la trabalhar em seu benefício.
Hiram morto é também a humanidade pecadora e decaída que precisará “ matar” os seus vícios para recuperar a virtude com a qual iluminará o seu espírito. Enquanto estes vícios permanecerem vivos, o trabalho de “construção do templo”, que é o trabalho de aperfeiçoamento moral do indivíduo, através da qual ele atinge a salvação, permanecerá abandonado. Este trabalho de recuperação moral da humanidade é a missão dos Eleitos.
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